Crônica
Fique
sabendo agora os “ingredientes” de uma crônica ou, em outras
palavras, como se faz para se escrever esse tipo de texto que
apresenta as características da narrativa, mas também faz
“comentários” sobre o assunto da história.
Suas
características:
.
É quase sempre um texto curto, escrito numa linguagem simples e
direta.
|
.
É um relato de fatos ocorridos na época em que são
apresentados, a partir dos quais o autor desenvolve uma reflexão
maior.
|
.
Por contar uma situação e comentá-la, é um gênero “híbrido”,
pois contém os elementos da narração e da dissertação.
|
Dependendo
do tema, podemos ter os seguintes tipos de crônica:
.
Humorística , com visão cômica ou irônica dos fatos
apresentados.
.
Mundana, trata de fatos ou acontecimentos característicos de
uma sociedade.
.
Jornalística, apresentação de aspectos articulares de
notícias ou fatos; pode ser policial, esportiva, política.
Leia
o texto a seguir, depois responda às questões.
Na
escuridão miserável
Eram
sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico.
Senti que alguém me observava enquanto punha o motor em movimento.
Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho,
a me espiar através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de
uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao
poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos.
Inclinei-me
sobre o banco, abaixando o vidro:
-
O que foi, minha filha? - perguntei, naturalmente, pensando tratar-se
de esmola.
-
Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.
-
O que é que você está me olhando aí?
-
Nada não senhor - repetiu. - Tou esperando o ônibus...
Onde
é que você mora?
-
Na Praia do Pinto.
-
Vou para aquele lado. Quer uma carona?
Ela
vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
-
Entra aí, que eu te levo.
Acabou
entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava
velocidade ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor
movimento. Tentei puxar conversa:
-
Como é o seu nome?
-
Teresa.
-
Quantos anos você tem, Teresa?
-
Dez.
-
E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?
-
A casa da minha patroa é ali.
-
Patroa? Que patroa?
Pela
sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no
Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava
às sete da manhã, saía às oito da noite.
Hoje
saí mais cedo. Foi 'jantarado'.
-
Você já jantou?
Não.
Eu almocei.
-
Você não almoça todo dia?
-
Quando tem comida pra levar de casa eu almoço: mamãe faz um
embrulho de comida pra mim.
-
E quando não tem?
-
Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me olhando
pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança,
esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu
não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem
nutridos - um engasgo na garganta me afogava no que os homens
experimentados chamam de sentimentalismo burguês.
-
Mas não te dão comida lá? - perguntei, revoltado.
-
Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado. Mamãe disse
pra eu não pedir.
-
E quanto é que você ganha?
Diminuí
a marcha, assombrado, quase parei o carro! Ela mencionara uma
importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados.
Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a
mão na cara.
-
Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? -
perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se
aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
-
Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu
carregar as compras. E aí no outro dia pediu a mamãe pra eu
trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode
deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos, fora
dois grandes, que já são soldados. Pode parar que é aqui moço,
obrigado.
Mal
detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se
logo na escuridão
miserável
da Praia do Pinto...
(Fernando
Sabino)
1)
O narrador da crônica acima é um narrador-observador
ou um narrador-personagem? Justifique.
2)
Com base na classificação acima, que tipo de crônica você acabou
de ler?
3)
Como é a personagem Teresa?
4)
Cite em quais locais se passa a história?
Flor-de-maio
Entre
tantas notícias do jornal – o crime de Sacopã, o disco voador em
Bagé, a nova droga antituberculosa, o andaime que caiu, o homem que
matou outro com machado e com foice, o possível aumento do pão, a
angústia dos Barnabés – há uma pequenina nota de três linhas,
que nem todos os jornais publicaram.
Não
vem do gabinete do prefeito para explicar a falta d’água, nem do
Ministério da Guerra para insinuar que o país está em paz. Não
conta incidentes de fronteira nem desastre de avião. É assinada
pelo senhor diretor do Jardim Botânico, e que a partir do dia 27
vale a pena visitar o Jardim, porque a planta chamada “flor-de-maio”
está, efetivamente, em flor.
Meu
primeiro movimento, ao ler esse delicado convite, foi deixar a mesa
da redação e me dirigir ao Jardim Botânico, contemplar a flor e
cumprimentar a administração do horto pelo feliz evento. Mas havia
ainda muita coisa para ler e escrever, telefonemas a dar,
providências a tomar.
Agora,
já desce a noite, e as plantas devem ser vistas pela manhã ou à
tarde, quando há sol – ou mesmo quando a chuva as despenca e elas
soluçam no vento, e choram gotas e flores no chão.
Suspiro
e digo comigo mesmo – que amanhã acordarei cedo e irei. Digo, mas
não acredito, ou pelo menos desconfio que esse impulso que tive ao
ler a notícia ficará no que foi – um impulso de fazer uma coisa
boa e simples, que se perde no meio da pressa e da inquietação dos
minutos que voam. Qualquer uma dessas tardes é possível que me dê
vontade real, imperiosa, de ir ao Jardim Botânico, mas então será
tarde, não haverá mais “flor-de-maio”, e então pensarei que é
preciso esperar a vinda de outro outono, e no outro outono posso
estar em outra cidade em que não haja outono em maio, e sem outono
em maio, não sei se em alguma cidade haverá essa “flor-de-maio”.
No
fundo, a minha secreta esperança é de que estas linhas sejam lidas
por alguém – uma pessoa melhor do que eu, alguma criatura correta
e simples que tire dessa crônica a sua substância, a informação
precisa e preciosa: no dia 27 em diante as “flores-de-maio” do
Jardim Botânico estão gloriosamente em flor. E que utilize essa
informação saindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico
ver a “flor-de-maio” – talvez com a mulher e as crianças,
talvez com a namorada, talvez só.
Ir
só, no fim da tarde, ver a “flor-de-maio”; aproveitar a única
notícia boa de um dia inteiro de jornal, fazer a coisa mais bela e
emocionante de um dia inteiro da cidade imensa. Se entre vós houver
essa criatura, e ela souber por mim a notícia, e for, então eu vos
direi que nem tudo está perdido, e que vale a pena viver entre
tantos sacopãs de paixões desgraçadas e tantas COFAPs de preços
irritantes; que a humanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e
que às vezes ainda vale a pena escrever uma crônica.
[Extraído
de: Rubem Braga, Para gostar de ler,
Ed. Ática, 1982]
5)
A notícia de que a “flor-de-maio” floresceu é, para o
narrador-personagem da história,
a)
um fato tolo quando comparado com outras notícias, mesmo porque o
personagem não acredita que tenha realmente florescido.
b)
mais uma notícia como qualquer outra, ou seja, sem importância e
que ninguém notará.
c)
uma notícia que só atrairia pessoas muito simples e românticas.
d)
uma chance de mostrar que a vida não é tão ruim como as notícias
que os jornais preferem publicar.
e)
uma notícia que pretende fingir que não existem coisas ruins no
mundo.
6)
A partir da leitura do texto, que é considerado uma crônica,
assinale a alternativa que contém a melhor explicação do que pode
ser uma crônica.
a)
Texto que analisa o lado psicológico de uma personagem.
b)
Texto que consiste na observação pessoal dos fatos da vida
cotidiana.
c)
Texto que descreve fenômenos naturais de forma científica.
d)
Narração de fatos em que não há julgamento das ações dos
personagens.
e)
Texto em que as personagens são avaliadas pelas atitudes que
apresentam numa determinada situação.
7)
A expressão “já desce a noite” dá uma ideia visual e temporal
para o leitor de um acontecimento.
Esse
acontecimento seria igualmente dado ao leitor se estivesse escrito:
a)
amanhece, mas o tempo está nublado.
b)
anoitece.
c)
o dia está cansativo.
d)
a noite é longa.
e)
o dia parece não acabar mais.
8)
A palavra só no trecho “Ir só, no fim da tarde, ver
a ”flor-de-maio” tem o mesmo sentido da palavra grifada na frase:
a)
Ele só
fez isso porque foi obrigado.
b)
Ninguém é somente
uma pessoa, somos vários ao mesmo tempo.
c)
Ela está sozinha
porque quer.
d)
Ele sabe apenas
o que aprendeu nos livros.
e)
Não somos
capazes de saber tudo que queremos.
sou uma cronista que aprecia seu blog
ResponderExcluir