sexta-feira, 22 de março de 2013

Trabalhando crônicas





Crônica


Fique sabendo agora os “ingredientes” de uma crônica ou, em outras palavras, como se faz para se escrever esse tipo de texto que apresenta as características da narrativa, mas também faz “comentários” sobre o assunto da história.

Suas características:

. É quase sempre um texto curto, escrito numa linguagem simples e direta.
. É um relato de fatos ocorridos na época em que são apresentados, a partir dos quais o autor desenvolve uma reflexão maior.
. Por contar uma situação e comentá-la, é um gênero “híbrido”, pois contém os elementos da narração e da dissertação.



Dependendo do tema, podemos ter os seguintes tipos de crônica:

. Humorística , com visão cômica ou irônica dos fatos apresentados.

. Mundana, trata de fatos ou acontecimentos característicos de uma sociedade.

. Jornalística, apresentação de aspectos articulares de notícias ou fatos; pode ser policial, esportiva, política.

Leia o texto a seguir, depois responda às questões.



Na escuridão miserável

Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos.

Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:

- O que foi, minha filha? - perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.

- Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.

- O que é que você está me olhando aí?

- Nada não senhor - repetiu. - Tou esperando o ônibus...

Onde é que você mora?

- Na Praia do Pinto.

- Vou para aquele lado. Quer uma carona?

Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:

- Entra aí, que eu te levo.

Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:

- Como é o seu nome?

- Teresa.

- Quantos anos você tem, Teresa?

- Dez.

- E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?

- A casa da minha patroa é ali.

- Patroa? Que patroa?

Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.

Hoje saí mais cedo. Foi 'jantarado'.

- Você já jantou?

Não. Eu almocei.

- Você não almoça todo dia?

- Quando tem comida pra levar de casa eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.

- E quando não tem?

- Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês.

- Mas não te dão comida lá? - perguntei, revoltado.

- Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado. Mamãe disse pra eu não pedir.

- E quanto é que você ganha?

Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro! Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.

- Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? - perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:

- Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras. E aí no outro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos, fora dois grandes, que já são soldados. Pode parar que é aqui moço, obrigado.

Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão

miserável da Praia do Pinto...

(Fernando Sabino)



1) O narrador da crônica acima é um narrador-observador ou um narrador-personagem? Justifique.



2) Com base na classificação acima, que tipo de crônica você acabou de ler?



3) Como é a personagem Teresa?



4) Cite em quais locais se passa a história?



Flor-de-maio

Entre tantas notícias do jornal – o crime de Sacopã, o disco voador em Bagé, a nova droga antituberculosa, o andaime que caiu, o homem que matou outro com machado e com foice, o possível aumento do pão, a angústia dos Barnabés – há uma pequenina nota de três linhas, que nem todos os jornais publicaram.

Não vem do gabinete do prefeito para explicar a falta d’água, nem do Ministério da Guerra para insinuar que o país está em paz. Não conta incidentes de fronteira nem desastre de avião. É assinada pelo senhor diretor do Jardim Botânico, e que a partir do dia 27 vale a pena visitar o Jardim, porque a planta chamada “flor-de-maio” está, efetivamente, em flor.

Meu primeiro movimento, ao ler esse delicado convite, foi deixar a mesa da redação e me dirigir ao Jardim Botânico, contemplar a flor e cumprimentar a administração do horto pelo feliz evento. Mas havia ainda muita coisa para ler e escrever, telefonemas a dar, providências a tomar.

Agora, já desce a noite, e as plantas devem ser vistas pela manhã ou à tarde, quando há sol – ou mesmo quando a chuva as despenca e elas soluçam no vento, e choram gotas e flores no chão.

Suspiro e digo comigo mesmo – que amanhã acordarei cedo e irei. Digo, mas não acredito, ou pelo menos desconfio que esse impulso que tive ao ler a notícia ficará no que foi – um impulso de fazer uma coisa boa e simples, que se perde no meio da pressa e da inquietação dos minutos que voam. Qualquer uma dessas tardes é possível que me dê vontade real, imperiosa, de ir ao Jardim Botânico, mas então será tarde, não haverá mais “flor-de-maio”, e então pensarei que é preciso esperar a vinda de outro outono, e no outro outono posso estar em outra cidade em que não haja outono em maio, e sem outono em maio, não sei se em alguma cidade haverá essa “flor-de-maio”.

No fundo, a minha secreta esperança é de que estas linhas sejam lidas por alguém – uma pessoa melhor do que eu, alguma criatura correta e simples que tire dessa crônica a sua substância, a informação precisa e preciosa: no dia 27 em diante as “flores-de-maio” do Jardim Botânico estão gloriosamente em flor. E que utilize essa informação saindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico ver a “flor-de-maio” – talvez com a mulher e as crianças, talvez com a namorada, talvez só.

Ir só, no fim da tarde, ver a “flor-de-maio”; aproveitar a única notícia boa de um dia inteiro de jornal, fazer a coisa mais bela e emocionante de um dia inteiro da cidade imensa. Se entre vós houver essa criatura, e ela souber por mim a notícia, e for, então eu vos direi que nem tudo está perdido, e que vale a pena viver entre tantos sacopãs de paixões desgraçadas e tantas COFAPs de preços irritantes; que a humanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e que às vezes ainda vale a pena escrever uma crônica.

[Extraído de: Rubem Braga, Para gostar de ler, Ed. Ática, 1982]





5) A notícia de que a “flor-de-maio” floresceu é, para o narrador-personagem da história,

a) um fato tolo quando comparado com outras notícias, mesmo porque o personagem não acredita que tenha realmente florescido.

b) mais uma notícia como qualquer outra, ou seja, sem importância e que ninguém notará.

c) uma notícia que só atrairia pessoas muito simples e românticas.

d) uma chance de mostrar que a vida não é tão ruim como as notícias que os jornais preferem publicar.

e) uma notícia que pretende fingir que não existem coisas ruins no mundo.



6) A partir da leitura do texto, que é considerado uma crônica, assinale a alternativa que contém a melhor explicação do que pode ser uma crônica.

a) Texto que analisa o lado psicológico de uma personagem.

b) Texto que consiste na observação pessoal dos fatos da vida cotidiana.

c) Texto que descreve fenômenos naturais de forma científica.

d) Narração de fatos em que não há julgamento das ações dos personagens.

e) Texto em que as personagens são avaliadas pelas atitudes que apresentam numa determinada situação.



7) A expressão “já desce a noite” dá uma ideia visual e temporal para o leitor de um acontecimento.

Esse acontecimento seria igualmente dado ao leitor se estivesse escrito:

a) amanhece, mas o tempo está nublado.

b) anoitece.

c) o dia está cansativo.

d) a noite é longa.

e) o dia parece não acabar mais.



8) A palavra só no trecho “Ir , no fim da tarde, ver a ”flor-de-maio” tem o mesmo sentido da palavra grifada na frase:

a) Ele fez isso porque foi obrigado.

b) Ninguém é somente uma pessoa, somos vários ao mesmo tempo.

c) Ela está sozinha porque quer.

d) Ele sabe apenas o que aprendeu nos livros.

e) Não somos capazes de saber tudo que queremos.




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