O dia
16/12/13 foi um dia nebuloso para a nossa história recente. Nesse
dia, tornou-se pública (pelo menos a mim) a prisão do morador de
rua Rafael de Braga Vieira em uma das muitas manifestações do mês
de junho, por portar, acreditem, uma garrafa de cloro e uma de Pinho
Sol.
O
delito principal do Rafael, no entanto, não foi esse. Seu crime
maior é o de ser preto e pobre num país cujo elitismo sociorracial
em pouco se difere da África
do Sul pré-Mandela. Ele, após ficar cinco
meses preso, foi condenado a cinco
anos de prisão em regime fechado.
Rafael
é uma metáfora fácil de tantos brasileiros que, em condições
semelhantes às dele, são condenados de forma arbitrária e sem
direito a embargos infringentes ou
qualquer outro recurso que o valha. Enquanto isso, políticos
corruptos, que se apropriam ilicitamente do dinheiro público,
roubando-nos a nossa saúde, a nossa educação, os frutos do nosso
suor e, sobretudo, a nossa esperança; esses gozam dos benefícios
jurídicos mais complexos, que só visam a beneficiar o criminoso de
grande porte.
Nesse
mesmo dia, o STJD julgou procedente o apelo desesperado e imoral do
Fluminense Football Club (reparem na tradição inglesa aristocrática
do nome), vulgo Unimed F.C., para subtrair quatro pontos da
Associação Portuguesa
de Desportos, clube um pouco
menos aristocrático e inglês que a supracitada instituição
carioca, fugindo,
com essa manobra, do rebaixamento para a série B. O resultado já
era esperado. Quanto mais os
auditores votavam pela permanência do clube carioca na série B,
mais o Fluminense se rebaixava aos olhos da sociedade. Quanto mais o
advogado tricolor se prostrava diante desses auditores, mais
humilhados ficavam os já bastante atrofiados princípios da ética e
da moralidade.
O
Fluminense alegou
fazer uso da regra, da mesma regra que em 2010 foi refutada com
sucesso pelo departamento
jurídico do próprio clube carioca. Assim são as leis no Brasil:
severas aos menos abastados
e flexíveis aos poderosos.
Esses
dois casos, embora pertençam a diferentes nichos sociais, levaram-me
a uma alusão quase óbvia. Não consigo visualizar um contraste
entre a pobre Lusa paulista e o flagelado Rafael de Braga Vieira.
Ambos são vítimas de uma sociedade cada vez mais elitista. Deram o
azar de nascer no país que
privilegia os Eikes Fluminense Batistas e Josés Corinthians Genoínos
em detrimento dos direitos daqueles aos quais não se aplica direito
algum. A corrupção foi legalizada e o sofrimento dos menos
afortunados também. Não se
trata de futebol; trata-se de julgar com isonomia as
pessoas
(físicas
ou jurídicas)
em função de serem todos
iguais. Ou não são?
Cheguei
a pensar que, como forma de protesto, os outros clubes da elite
nacional deveriam boicotar o campeonato em solidariedade ao time
paulista. No entanto, é certo que jamais o farão. Assim como nada
fazemos diante da injusta prisão do morador de rua Rafael de Braga
Vieira. Somos vítimas das
consequências de tantas injustiças e, em razão de nossa
passividade, somos também a causa. Ou não somos?
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